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Freud descobre o Brasil

| 16 ago 2011_16h00
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Sigmund Freud morreu em 1939 sem nunca ter estado no Brasil. Só pisou nos Estados Unidos uma vez em 1909 quando seus seguidores ainda eram pouco numerosos. Não era de viajar muito. Fora algumas estadas episódicas em cidades européias, só deixou sua Áustria natal em 1938 para fugir do nazismo e refugiar-se em Londres, onde morreria.

Em 1928, já famoso em todo o mundo e cioso em garantir de seus discípulos uma fidelidade literal aos seus escritos, teve a surpresa de receber cartas do Brasil, que lhe comunicavam a criação por médicos brasileiros do Rio e de São Paulo de uma “Sociedade Brasileira de Psicanálise” (a primeira da América Latina) e da projetada publicação de uma Revista de Psicanálise. Algo intrigado por receber tal notícia “interessante e prazerosa” do “distante Brasil” Freud, na carta reproduzida aqui, dirigida a seu futuro tradutor para o português, o Dr. Julio Porto-Carrero, trata imediatamente de enquadrar a futura sociedade. Exige (com certa delicadeza) que esta se alinhe com a "Internacional Psychoanalytical Society" (IPA), criada por ele em 1910:

“Quão notável, que no distante Brasil, nasça de repente um movimento psico-analítico pronto, assim como a deusa Atena surgiu da cabeça de Zeus, com divulgação em toda a sociedade e naturalmente também alguma oposição. Esta última não deve faltar. Alegra-me que o senhor reconheça a sua necessidade. É como na técnica analítica. Sem a superação de obstáculos, não existe sucesso. E agora um pedido fundamental. É de grande importância para mim, que sua Sociedade logo se sinta em casa na Sociedade Internacional e que esta acompanhe o que ocorre no Brasil”.

Preocupado em avaliar a seriedade da proposta dos doutores Durval Marcondes e Julio Porto-Carrero – que lhe haviam enviado por escrito seus projetos – Freud pede com elegância que redijam um relatório destinado à Revista de Psicanálise publicada em Londres, no qual os psicanalistas brasileiros explicitariam sua iniciativa:

“Para este fim, nada pode contribuir melhor do que o senhor redigir um relatório para a Revista, que contenha aproximadamente aquilo que consta das cartas suas e do Dr. Durval Marcondes, como a história da fundação da sua Sociedade, o relacionamento entre os grupos do Rio e de São Paulo e sobre os seus esforços na Sociedade. Talvez eu devesse dirigir-me ao Dr. Marcondes como secretário da Sociedade, mas certamente o Senhor mantém um bom contato com ele e pode, assim, entender-se a respeito da elaboração do trabalho. O relatório deve ser enviado ao nosso presidente, Dr. M. Eltingon, naturalmente em francês, se isto lhe é mais cômodo. Estou aguardando a tradução em francês do seu curso, para anexá-la ao seu relatório.

Não sinta-se desconfortável com o fato de que quase desde o início de nossas relações, eu lhe apresente exigências tão incômodas, mas parece-me de inestimável importância para o futuro desenvolvimento da sua Sociedade, que o senhor esteja em íntimo contato com a Internacional, o tanto quanto permitir a distância geográfica”.

Finalmente, o fundador da Psicanálise revela uma intenção surpreendente – mas que, tudo indica, não chegou a levar a cabo: aprender português aos 72 anos!

“Sob a influência das suas notícias e a publicação da Revista Brasileira, comecei a aprender português. Espero logo conseguir ler, mas será uma leitura muda, pois tudo o que intuo sobre a pronúncia me parece assustadoramente difícil. Minha intenção é apenas poder compreender o que está sendo publicado na revista”.

Resumiram-se portanto a poucas cartas trocadas com Marcondes e Porto-Carrero, (e algumas outras com Arthur Ramos e Osório César,) a relação de Freud com o Brasil, que nunca foi muito além de um breve interesse epistolar e da preocupação de evitar desvios da ortodoxia.
 

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